terça-feira, 10 de agosto de 2010



Basta de Luto , filho!


A primeira cena que me vem a cabeça é o seu pai me chamando as 11 da noite, depois q saí do banho, me pedindo para ouvir o coração dele... Estava batendo muito rápido e forte. Então me disse que não sabia como me dar tão triste notícia.


Seu avô morreu dia 14 de Junho. Pegamos você de pijamas e corremos ao encontro da vovó em Indaiatuba. Ela precisava da gente.


Seu avô foi o cara mais espetacular que já conhecí. Prova disso foi o seu enterro lotado em pleno dia de jogo do Brasil pela Copa Mundial de 2010. Descansou uma hora antes do jogo começar e sinto que foi o lugar mais tranquilo que ele poderia estar depois de anos doentinho. A queda foi apenas uma maneira mais rápida de sua partida.


Ainda é muito dificil falar sobre ele. Minha maior tristeza é que você não terá a chance de conhecê-lo do jeito que eu gostaria. Mas minha maior alegria é saber que ao menos por um dia ele te teve em seus braços.


Lembro que toda vez que tinha um sonho ruim, saia de fininho da minha cama e corria para o quarto dos meus pais. Lá ele dormia sereno, geralmente encolhido do lado direito da cama. Pijama de algodão, chinelo de couro ao lado da cama, óculos embaixo do travesseiro, por precaução. Não me lembro de precisar dele de madrugada: mas ficava sempre de prontidão.

A minha necessidade na madrugada era ter ele por perto. Era sentir o seu calor, era ouvir a sua voz grossa dizendo que não era nada e que tudo ia ficar bem. Dormia entre suas coxas e esperava pelo amanhecer.


Por muitas vezes tive medo de perdê-lo. E agora me sinto em um mundo vazio sem a sua presença. E é por você que eu continuo caminhando. As vezes penso que a natureza trabalha sempre para nos manter fortes. Se perdí meu protetor sei que tenho q continuar porque hoje somos os seus protetores.Tudo se torna menos difícil com você do nosso lado.


Por toda a minha infância, era ele quem me acordava. Fazia uma bela gemada e me levava para a escola. Lembro de suas mãos gordinhas, quentinhas. Da sua paciência ao tratar do meu dente. Morria de medo. E era ele quem esperava pacientemente que "eu criasse coragem" depois da anestesia. E ganhava um picolé depois de tanta coragem!


Lembro dos seus mistos-quentes no jantar, de quanto ele chegava assobiando em casa aquelas músicas do seu tempo de infância. Daquele mundaréu de livros espalhados pela casa. Um homem tão sábio , tão calado, mas ao mesmo tempo tão presente em minha vida!


Sua bondade e humildade era tanta que todo o dinheiro que recebia dava para a sua avó. Não era segredo para ninguém quem "mandava" na família. Mas ninguém ousava te desrespeitar. Respeito conquistado através de sua fala mansa, tranquila e ponderada. Seu pai vive dizendo que o Seu Mauro era um homem de poucas e sábias palavras.


Não tinha medo do trabalho. Trabalhava duro até sete da noite e, ao chegar em casa, cuidava da gente, pois sua vó só chegava quando todos estavam dormindo. Com a rotina, descobriu que lavar louças era sua terapia. Ao menor sinal de problema ou nervoso, estava lá ele debruçado na pia.


Hoje quando vejo seu pai lavando a louça logo pela manhã lembro automaticamente do meu pai e esta cena sempre se torna para mim um momento de reflexão. Será que ele está triste? Está nervoso? Preocupado com alguma coisa? Vejo muito do meu pai no seu pai. Principalmente as coisas boas. Tenho orgulho dos dois. Deve ter sido um processo natural. Dizem que escolhemos para marido um espelho do nosso pai...


Que voz macia que ele tinha. Quanta serenidade meu Deus! Dizia que toda noite rezava pelo seus filhos. Não era muito de falar sobre os seus sentimentos. Mas eu sabia que existia. Muitas vezes o ví chorar diante de algo que o emocionava. Podia ser uma novela, uma conquista de um filho ou saudade de minha mãe. E quando a vontade vinha, era um choro emocionado, uma voz embargada que levava quem estivesse por perto a chorar também.

Tinha muito medo de morrer, temos que admitir. Mas não era segredo para ninguém que estava querendo descansar. Não tinha mais vontade de viver, se ainda o fazia era por amor a família. Foi uma morte lenta ao longo de 5 anos. Tempo necessário para podermos acostumar com a sua partida. A queda e a fratura na bacia apenas foi o ponto final de uma vida tão digna.



Pescar sempre foi uma de suas paixões. A maior com certeza foi a minha mãe. Nunca conseguí entender como podia tanto amor e devoção caber neste homem. Para ele, minha mãe sempre tinha razão : até quando não tinha! Um amor para a vida toda, de ficar doente quando estava longe dela. Encontro de almas com certeza.

É assim que eu quero lembrar dele. Um homem amoroso, devotado, amado por todos, uma sabedoria ambulante.


Um homem q te amou muito filho.


E foi assim Felipe , que seu avô se foi e ficou em nossos corações. Restam agora muitas lembranças e a última foto dele conosco.